imagem de lenha para fazer lume de chão com panelas penduradas

Fogo lento

Fotografia de Tikkho Maciel no Unsplash

Hoje vivemos no mundo do imediato, do rápido, aliado ainda a uma sensação de facilidade e recompensa instantânea, tira-nos um pouco a força e a permeabilidade para a perseverança. A água corrente em cada torneira e a luz que se acende na sala só com o simples gesto de tocar o interruptor são realidades do nosso quotidiano e são tomadas como certas, como um direito expresso e irrevogável. Vivemos a era do online, do fast-food, do comércio e dos serviços e tudo isto tem de corresponder, exatamente, ao menor período de tempo de espera e de esforço, para ter a maior performance possível.


Se algo não funciona como é previsto é uma frustração tremenda, uma verdadeira chatice que nos deixa ansiosos, irritados e até um pouco “à nora”, no registo: “e agora, o que é que eu faço?”.

No que diz respeito ao mundo físico, vivemos o modo “micro-ondas”. Fácil, rápido, sem esforço e previsível. Está tudo dentro do nosso controlo. Pressionar os botões certos vai garantir que tenhamos a nossa refeição rapidamente pronta e quente como desejamos.   

Neste caminho de vida cristã, de conhecer e viver em Jesus, aprendemos que no mundo das coisas espirituais não é bem assim. 

É preciso acender o lume e deixar cozinhar em fogo lento. É um cozinhado para preparar e confecionar aqui neste mundo, mas que só será tomado em refeição e saboreado já fora daqui, no reino para onde a nossa alma deseja ir.

É o próprio Jesus que nos dá testemunho disto, com a sua vida anónima de crescimento espiritual e de conhecimento que O vai preparar para a sua vida pública, com a sua Paixão, morte e Sua Ressurreição.

É normal no início de caminhada, no nosso processo de conversão, quando nos encontramos com Jesus, a sensação de entusiasmo e de fulgor nos nossos corações. Afinal não é um encontro qualquer que nos traz uma felicidade momentânea é o encontro com a Graça Divina que nos entrega a alegria de viver fecunda e permanente.  Este fogo que nos é dado pelo Espírito Santo, dá para acender um lume, em alguns casos quase para provocar um incêndio, tal não é a força com que o sentimos. É um fogo que traz luz à nossa vida, que traz calor aos nossos relacionamentos. E isto é bom! É este fogo que nos move, que nos dá a iniciativa de procurar conhecer mais, nos faz ligar às comunidades e iniciativas, que nos faz crescer e pôr a caminho.


Neste entusiasmo, contudo, é preciso acautelar que estamos perante vidas de verdade, incluído a nossa, vidas complexas com passado, com hábitos e expectativas e sobretudo fragilidades, nossas e dos outros. O que vai acontecer no nosso caminho não será exatamente aquilo que esperávamos, muito menos aquilo que desejávamos. A determinada altura, iremos presenciar ou viver desafios, injustiças, incómodos, indiferenças, dúvidas e desânimo. 

Mas cientes que nem tudo é igual ao antes, há algo perene, algo real e verdadeiro. Há um centro, uma fonte igual para todos nós, é imutável seja qual for o tempo ou a situação: Jesus. 

Não podemos desanimar para que o lume não se extinga, mas também devemos estar atentos às âncoras e fortes convicções que se vão ganhando ao longo do caminho, para que o cozinhado não queime e fique sem molho. A sensação de já ter chegado é uma ilusão que nos faz estagnar na busca do mais importante, o Reino.

Algumas vezes, é preciso agarrar na colher de pau e dar uma volta inteira ao cozinhado, outras uma mexida mais leve só para ajustar, acrescentar água, retificar o sal e adicionar temperos e especiarias. O importante é procurar sempre o mais.

É preciso destapar e deixar sair o aroma, abrir as janelas e aromatizar todo o prédio, a rua inteira. E, de vez em quando, colocar a colher e retirar um pouco do caldo, saborear e antever o maravilhoso banquete que nos espera. 

Sempre que possível dar a provar a outros, trocar opiniões, escutar conselhos e, não esquecer, partilhar a receita se alguém nos questionar ou se tiver curiosidade sobre o que se está a confecionar.

No final fica uma certeza: neste caminho de cozinhar a nossa fé aprendemos algo muito importante que servirá para todos os aspetos da nossa vida. Uma lição que nos ensina que para obter resultados frutíferos e consistentes é preciso estarmos atentos, mantermo-nos ao redor do fogão e saber esperar enquanto o cozinhado apura.

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