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Jejum, oração e esmola: três atitudes para um caminho essencial

Fotografia de Annika Gordon no Unsplash

Na sociedade da abundância, qual é a necessidade do jejum? Na nossa agenda preenchida e que passa a correr, de que nos serve a oração? Quando tenho tudo à minha disposição porque é que tenho de partilhar o que é meu?

Todos os anos, quando se aproxima a quaresma, somos novamente convidados à prática do jejum, da oração e da esmola como meios da conversão interior, essas práticas “medievais” que não fazem sentido e que, aparentemente, não servem para nada. Mesmo assim, a Igreja não abdica de nos propor este caminho. Porquê? Porque o jejum, a oração e a esmola nos convidam a despojarmo-nos para o caminho, onde só podemos levar o que é essencial. No bulício dos nossos dias, estamos demasiado cheios de coisas e temos pouco espaço para Deus. Precisamos de nos despojar, para nos colocarmos diante de Deus. 

O Papa Francisco, na sua mensagem para a quaresma de 2021, associa estas práticas de penitência às três virtudes teologais (isto é, as virtudes que nos aproximam de Deus): a fé, a esperança e a caridade. Para além desta associação gostaria de ligar estas atitudes com a experiência de algumas mulheres que nos interpelam na Sagrada Escritura.

Ao jejum, o Papa Francisco associa a fé. O quê? O que tem a ver um com o outro? Esta será a interrogação mais imediata de todos nós. Talvez a mulher cananeia¹ (que encontramos em Mt 15, 21 a 28) nos ajude a compreender esta associação, quando diz a Jesus: “[…] até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”. A fé é o alimento daquela mulher: “Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas” e aquelas “migalhas” são para ela o maior dos banquetes. A sua atitude recorda-nos o que é essencial neste caminho, materializando as palavras de Jesus: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4, 34). Estamos habituados a partilhar constantemente o que comemos nas nossas stories do Instagram, a nossa vida social faz-nos crescer água na boca, para que serve então o jejum? O jejum liberta-nos para estarmos mais disponíveis para Deus. Ao fazer a experiência da privação comungamos com aqueles que não tem alimento e partilhamos o que temos com aqueles que mais precisam. O Yuval N. Harari escreveu, num dos seus livros², que já não precisamos que Deus sacie a nossa fome, porque na sociedade contemporânea são mais os que morrem por excesso de comida, do que por subnutrição. A obesidade e os diabetes matam mais do que a fome. O jejum cristão é a resposta a esta proclamação descrente, o convite a redescobrir que o alimento é mais do que o alimento que sacia o corpo. Numa sociedade atormentada pelos distúrbios alimentares o jejum é o caminho essencial da fé que nos leva até Deus.

À oração, o Papa Francisco associa a esperança. Mas afinal o que é a oração? De que serve a oração? Realmente, se pensarmos bem a oração parece inútil. Uma comunidade de irmãs de clausura em oração o dia inteiro, em nada contribuem para o crescimento do PIB. No entanto, a sua oração é a resposta da humanidade ao apelo de Deus, a oração sustenta a humanidade. Então, o que é a oração? Gosto muito da resposta de Stª Teresa do Menino Jesus: “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria”³. O Papa Francisco vê na figura da samaritana (Jo 4, 10-12), junto ao poço de Jacob, este desejo de beber a “água viva” que nutre a nossa esperança. “Senhor, dá-me dessa água” é o pedido que ela faz ao Senhor. É esta água da esperança que galga as margens da nossa aridez e nos inunda para que possamos “adorar o Pai em espírito e verdade”.

Só na oração podemos cultivar a proximidade com Jesus só rezando poderemos compreender verdadeiramente a sua utilidade e necessidade da oração neste mundo atarefado e sem tempo para Deus. Talvez por isso, a Madre Teresa de Calcutá costumava dizer às irmãs que lhe não tinham tempo para fazer uma hora de adoração, para ficarem duas horas em adoração, então já teriam tempo para tudo.

Finalmente, o Papa Francisco associa a esmola à caridade. A caridade consiste na entrega de si próprio ao outro, procurando estar com quem se sente só, com quem sofre, com quem vive angustiado com o seu futuro. “O pouco, se partilhado com amor, nunca acaba, mas transforma-se em reserva de vida e felicidade”⁴ como nos mostra o exemplo da viúva de Sarepta (1 Rs 17, 7-16) que partilhou o pouco que tinha com o profeta Elias. Na simplicidade da nossa partilha está tudo o que somos e temos. Este é também o exemplo da viúva (Mc 12, 41-44; Lc 21, 1-4) que na sua pobreza ofereceu tudo o que possuía. Desta forma, se une a nossa intenção com a nossa ação, a nossa caridade com a nossa esmola. Para que não aconteça que se percam os dois, como nos diz Stº Agostinho: “Se dás o pão com tristeza, perdes simultaneamente o pão e o merecimento”⁵.

Estas são as atitudes que nos ajudam a compreender o que é essencial neste caminho, este é um tempo de crer, esperar e amar, não pela recompensa, mas pelos frutos de conversão interior que recebemos, segundo o espírito do evangelho (Mt 6, 1-8. 16-18). Bom caminho!


¹Siro-fenícia, na versão de Mc 7, 24-30
²Yuval Noah Harari, Homo Deus, História Breve do amanhã, Elsinore, 2017, pp.13-16.
³Santa Teresa do Menino Jesus, Obras Completas, Edições do Carmelo, 1996, p. 276.
⁴Papa Francisco, Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2021. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/lent/documents/papa-francesco_20201111_messaggio-quaresima2021.html
⁵Santo Agostinho, Comentário aos Salmos, 1-50, Paulus, 2014, p. 422.

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